Dormimos muito bem. Colchão confortável e o local super tranquilo, não se ouvindo qualquer ruído. Nem mesmo o da Ana a sair as 5:30 da manhã para o trabalho. Um dois princpais problemas de Luanda e aquele de que todos se queixam é o trânsito. De Luanda Sul até ao centro pode demorar horas, logo é necessário sair bem cedo para chegar a tempo ao trabalho.
Nos dois dias seguintes fomos para a cidade com a tia Salett, que tem uma florista no centro de Luanda, na Praia do Bispo. Para lá chegar desde Luanda Sul passamos na Corimba e na Samba. São nomes que toda a minha infância escutei da boca dos meus pais e tios que viveram em Luanda antes de 1974. Imagino que esteja completamente diferente daquilo que era, uma vez que construíram uma nova estrada que destruiu as casas de antigamente.
Luanda tem bom aspecto, apesar de parecer uma cidade caótica, com zonas muito pobres, sobretudo nos morros, de onde as pessoas atiram o lixo que ao longe parece um tapete colorido. Há casas de adobe no alto do morro, constituindo bairros de lata a que chamam musseques. Mas no geral, é um caos organizado, típico de uma capital Africana!
Encontramo-nos com o amigo Júlio Santos, Urologista de Luanda, que durante os dois primeiros dias se disponibilizou a mostrar um pouco da cidade. No primeiro dia visitamos o Mausoléu do Agostinho Neto, a cidade alta, onde estão os edifícios do governo, as obras da Assembleia Nacional de Angola, um monumento circular no inicio da marginal, com inscrições referentes às 18 províncias de Angola, contando um pouco da sua história. A caminho da ilha vimos o antigo hotel Panorama, desde há 2 anos desactivado, e passamos pela floresta, um pequeno bosque no meio da ilha que está ocupado por barracas de moradores mais desfavorecidos. Visitamos a Clínica Sagrada Esperança, onde por coincidência encontrei um colega Cirurgião do Hospital de Braga, o Dr. Ricardo. Gostei de o rever e de conversar sobre os velhos tempos!
A ilha está em reconstrução, com grandes obras, mas ainda mantém uma serie de bares a beira-mar onde se está muito a vontade. Aí almoçamos com o Júlio, que realmente foi um óptimo guia turístico. Provamos a primeira Cuca e mergulhamos no Atlântico da Ilha de Luanda!
No dia seguinte continuamos a visita turística por Luanda, após almoçar Calulu (semelhante a moamba mas com peixe) com funge feitos em casa da tia Salett… Delicioso! Nesta tarde visitamos a igreja da Sagrada Esperança, onde os meus pais se casaram e a minha irmã foi baptizada. A igreja tem arquitectura é colonial, mas pode ser perfeitamente contemporânea. Nunca vi a igreja antes, mas acredito que se mantenha muito semelhante ao passado. Por trás da igreja está a maternidade, onde a minha irmã nasceu. Foi restaurada e funciona bem e com boas instalações. Continuamos o passeio. Passeamos pela Mutamba, pelos Combatentes, com a avenida mais larga do tempo colonial. Passamos na praça 1º de Maio com a estátua do Agostinho Neto, e visitamos o Museu de História Natural, com exemplares embalsamados de animas da savana incluindo a pacaça e a palanca negra gigante.
Percorremos a Marginal. Está em reconstrução. Vêm-se várias gruas no ar que elevam prédios altíssimos modernos que se misturam com os coloniais. O edifício do porto também da época colonial mantém-se em funcionamento. No extremo oposto ao porto está o prédio cor de rosa do Banco Nacional de Angola. Luanda é bonito e tem tudo para ser a cidade mais cosmopolita de África. Só é necessário diminuir a criminalidade ao nível zero. Será Possível?
As noites foram passadas na companhia da Ana e da tia Salett, duas pessoas espectaculares que sabem acolher bem! Jantares óptimos, em casa confortável, de facto precisávamos de um pouco de conforto depois de 60 dias de estrada e tenda de campismo! Numa das noites até fomos ouvir música ao vivo ao Zodabar, em Luanda Sul! Era noite de música brasileira e por momentos pensamos estar no Brasil! Mas havia gente de todo o lado. Rimos bastante, tentando adivinhar as nacionalidades… As Europeias destacam-se pela moda do salto raso!
No dia 19, o Júlio tinha-nos convidado para o Alambamento, ou seja pedido de casamento que o seu irmão iria fazer à namorada. A Ana foi também convidada, pelo que nos encontrámos com o Júlio em sua casa para logo seguir até a casa da futura noiva, no Golfo 2. Conhecemos a Quinzemba, esposa do Júlio, que também nos acolheu muito cordialmente. Da casa do Júlio conseguimos uma vista espectacular sobre o bairro de São Paulo e ao longe a Cuca, mais dois nomes que me lembro de ouvir frequentemente.
O alambamento consiste no pedido de casamento que o rapaz e a família fazem aos pais e família da noiva. Em troca, há uma serie de multas a pagar de acordo com a vontade do tio da noiva. Fazem uma lista de bens que querem para esse dia. Juntamente com os bens há uma carta enrolada no interior da qual há determinado valor em dinheiro. A carta é pré-feita e descreve o amor entre os dois e o pedido formal de noivado. Se as famílias não concordarem com o pedido podem reclamar mais multas que as pré-determinadas. Parece um jogo, mas é uma tradição antiga que muitas famílias ainda preservam, e que nós tivemos a honra de presenciar!
Conhecemos toda a família do Júlio e o noivo chamado Adilson. Esperamos que o tio da noiva desse ordem de entrada. Havia cadeiras dispostas frente a frente, para as respectivas famílias, em separado. As pessoas apresentaram-se um de cada vez, levantando-se e dizendo o nome e parentesco. Chegou a nossa vez e os três nos levantamos dizendo o nome seguido de: “Primo do noivo!” Seguiu-se uma conversa entre o pai do Adilson e o tio da Noiva (Nidieska)! Entregaram a carta, seguida dos bens que a família do noivo (nós inclusive) carregou expondo frente a família de Nidieska. A mim calhou carregar uma grade de cerveja, Super-bock! Ao Pablo uma de Cristal. A Ana ficou de fotógrafa!
Depois dos valores em dinheiro e bens materiais serem expostos e conferidos foi altura de mandar subir a noiva! Aí sim se oficializou o pedido com um anel e brindamos! A festa seguia mas num local diferente. Desta vez teríamos que ir ao centro da cidade, no bairro azul. Desta vez a tia Salett juntou-se anos após insistência nossa e do Júlio! Havia uma mesa com comidas africanas. Comemos moamba, cachupa, e outros pratos africanos, muito bons. Tudo acompanhado de Cuca. Depois começou a música e ai sim foi ver o espectáculo. Todas as pessoas dançavam com o saber africano. Aquilo que nós não sabemos e os Angolanos sim… no entanto não nos inibimos e dançamos os quatro. Houve uma altura que estava só eu e Ana perdidos de rizo a dançar. Os únicos na pista e provavelmente todos os restantes a olhar para nós. Depois a música mudou e começaram a dançar a tarrachinha, um tipo de música muito sensual em que se colam os pares e maneiam lentamente sobretudo nas ancas. Sexo com roupa, por assim dizer! Também houve espaço para o Kuduro e o Milindo. Foi de facto um dia espectacular, que agradecemos ao Júlio e família, a oportunidade de assistir a uma festa tão privada e já agora: Viva os Noivos!
No domingo, aproveitamos o bom dia de sol para visitar a Ilha do Mussulo. A tia Salett tem uma casa ali, mesmo junto a praia. Com a ajuda de um marinheiro conhecido, o Palanca Negra, atravessamos do cais à ilha. Nesse dia o Pablo acordou mal disposto, mas foi recuperando lentamente.
No Mussulo, a casa com a sua decoração de praia é muito agradável. Após o primeiro mergulho a amiga Magda, portuguesa a viver há longa data em Luanda veio buscar-nos no seu barco para almoçar em casa dela. Uma família muito simpática, que foi impecável connosco, inclusive na ajuda dada sobre locais a visitar em Angola. Aí almoçamos, peixe grelhado e Moamba. Estava delicioso o almoço a beira-mar!
A ilha tem muito potencial turístico e durante a tarde fomos dar um passeio com a intenção de ver a contra-costa. A Ana foi com o filho mais novo da Magda, o Nuno numa moto-4 e nós fomos com a Magda e a Salett num veículo com tracção. Um passeio deste género é muito agradável, sobretudo porque deu para passearmos pela ilha e ver os contrastes. De um lado a riqueza dos habitantes de Luanda que passam ali os fins-de-semana em casas enormes com barcos à porta, fugindo ao stress de Luanda, do outro lado os pescadores da Ilha, que vivem em cabanas de piores condições.
Regressamos a casa e depois de tudo arrumado, o driver da Magda levou-nos na lancha até Luanda. Desta vez dispensamos o Palanca Negra! A Salett tinha combinado jantar com a amiga Elsa. Fomos ao La Vigia, um restaurante muito agradável no centro de Luanda, que se notou ser a casa de muitos portugueses. Havia jogo de futebol, do Sporting, o que prendia a atenção de muita gente. O jantar delicioso, uma garoupa grelhada, e em muito boa companhia. O Pablo comeu pouco, uma vez que mantinha a indisposição. Não evitou os medicamentos ao chegar a casa.
Chegando a casa despedimo-nos da Ana, agradecendo todo o cuidado e atenção que teve connosco. Para mim foi óptimo reavivar esta amizade!
No dia seguinte acordamos lentamente, pois sabíamos que as próximas noites não iriam ser em tão boas condições. Só tinha pena da Ana, ao saber que ele já se tinha levantado tão cedo e descansado tão pouco, por nossa causa. Obrigado Ana!
Tomamos o pequeno-almoço com Salett, conversando mais um pouco e fazendo um balanço da amizade e dos bons tempos passados em Luanda. Depois de tudo pronto despedimo-nos, com pena, da Salett que tão bem nos acolheu. Sem dúvida, uns dias de quebra do cansaço da viagem, com excelentes condições e numa companhia excepcional, pelo que estamos muito gratos a Ana, Salett e ao Júlio!
Estive hoje com o Dr. Américo Santos no Hospital de Braga que me perguntou se tinha estado convosco em Luanda , confirmei que sime estive agora a ler pela primeira vez parte do vosso Blog.Gostei bastante, deve estar a ser uma fantástica aventura.
Que continue assim
Um grande abraço
Ricardo Silva Pereira
Obrigado pelo seu comentário Dr. Ricardo. Foi uma surpresa encontra-lo.
Sem duvida uma experiência única que me está a dar muito gosto!
Até um dia! Um abraço! Carlos