Aproveitando o fim-de-semana prolongado, pelo feriado de 25 de Junho, comemorando a independência de Moçambique, decidimos fazer uma escapada até às praias de Inhambane, apesar de surpreendidos por uma notícia pouco animadora – bloqueio da estrada nacional 1 (EN1), num troço entre o rio Save e Muxungue, sem alternativas por via terrestre. Esta ameaça veio na sequência de conflitos entre os principais partidos políticos do país, a FRELIMO, atualmente no poder e a RENAMO, a oposição, sem grande intervenção na política nacional. Daí a Renamo decidir fazer-se sentir, nesta época pré-eleitoral, entrando em conflito com as Forças armadas do atual Governo (as FIR). Destes confrontos resultaram já alguns mortos e feridos, 2 dos quais tratamos no nosso serviço do Hospital da Beira. A verdade é que a situação parecia ter estabilizado, razão pela qual decidimos sair.
Saímos numa quinta-feira, dia 20 de Junho após a jornada laboral. Segundo os noticiários a meio do dia, não passou de uma ameaça e o trânsito fluía normalmente, razão pela qual seguimos viagem. A primeira noite dormimos em Vilanculos, e no dia seguinte continuamos viagem até Inhambane, para procurar as praias de Jangamo (Guinjata, Paindane, Baia dos Cocos, etc…). A meio do percurso do dia 21 de Junho cruzamo-nos com alguns carros militares no sentido sul-norte, e duvidamos que alguma coisa se estava a passar. Um breve SMS da amiga Raquel Mogo, em Maputo colocou-nos a par da situação: “Renamo põe em prática plano de bloqueio da circulação rodoviária na EN1, no troço Rio Save – Muxungue… três viaturas de pessoas singulares atacadas, três vítimas mortais, dois feridos, lojas, escolas, hospitais e outras instituições encerradas e uma grande concentração da população no posto administrativo de Muxungue é o que se verifica neste momento…” O plano ameaçado estava em prática e supostamente a Renamo tinha causado a morte de três inocentes quando os dois dos camiões foram incendiados com toda a carga e quem sabe mais inocentes no seu interior.
Estávamos a sul do Save, com quatro dias supostamente relaxantes pela frente, mas que evidentemente seriam de alguma tensão. Cármen e Dennis, alemães, amigos da Beira também decidiram fazer a viagem para o Tofo. Dennis foi surpreendido pelo início da escolta militar quando descia para Inhambane. Conseguiu atravessar apesar da quantidade de militares lá instalada. Quando chegou a Tofo foi apelidado de “War Hero”, pelo cenário que descreveu entre Muxungue e Save.
Entretanto passamos o dia 22 na praia de Paindane e Guinjata, uma costa impressionante de dunas e mar azul-turquesa. Aproveitamos para fazer dois mergulhos profundos em busca das mantas gigantes, mas as redes dos pescadores têm-se dedicado a reduzir o seu número. Os entendidos referem uma redução de quase 80% do seu valor em 10 anos. Um dos momentos altos do mergulho ver um Potato bass, semelhante a uma garoupa em que se consegue tocar e simular caricias no seu ventre sem que se afaste dos mergulhadores. Mas neste dia, após tanto tempo sem entrar nas profundezas do oceano, foi á superfície que assistimos a uma das maravilhas da natureza. Uma baleia (humpback whale) permanecia á superfície, rodeada de um grupo de golfinhos em mergulhos sucessivos em frente á baleia, que se agitava parecendo afugenta-los. Para nós era uma novidade avistar o cetáceo, mas para os habituados mergulhadores o movimento da baleia foi interpretado como uma tentativa de proteção, provavelmente por estar a dar à luz uma cria.
Nestes dois dias, a ausência de informação transmitiu uma certa paz, mas igualmente algum desassossego. Sabíamos que sétima ronda de diálogos entre partidos ocorreria na véspera da celebração da independência do país, e daí poderia depender a evolução da situação, com rumo incógnito. A exigência da Renamo de paridade de membros na composição da Comissão Nacional de Eleições até parece lógica, sobretudo quando se trata de um Governo que perdura desde 1975, sem interrupções, e cuja clareza de resultados eleitorais foi previamente reivindicada.
No domingo decidimos encontrar-nos com Cármen e Dennis no Tofo. A impressionante baia do Tofo, sempre relaxante, permitiu disfrutar de um excelente por do sol nos dias que se seguiram, mas foi no dia 24 que a situação pareceu piorar quando Cármen foi informada pela sua chefe da Cooperação Alemã que a coluna militar tinha sido atacada, felizmente sem vítimas mortais.
O cenário idílico em que estávamos, passou a segundo plano e o barbecue previsto para essa noite foi cancelado. Os nossos amigos decidiram rapidamente deixar o carro em Inhambane e fazer a viagem de avião, primeiro até Maputo e depois para a Beira. A Raquel mantinha-se atenta e na véspera do nosso regresso volta a informar-nos: “Aconteceu há 15 minutos, mais um ataque armado. Amigos tenham cuidado!!” Os dois pontos de exclamação e o emoticon com um sorriso invertido denunciavam a preocupação da Raquel Mogo. Concluímos que não tinha havido consenso na reunião da capital e que a Renamo mantinha a sua postura, agora um pouco mais grave com ataques a civis supostamente escoltados. Não era conhecido o teor destes incidentes, apenas se sabia que eram disparos aleatórios oriundos do mato e felizmente sem vítimas mortais.
Apesar da situação pensamos que apenas poderíamos viajar até Save e perceber as dificuldades no local, mesmo que inverter a marcha pudesse ser a última saída, já que do estudo dos mapas não parecia viável nenhuma solução de regresso (via terrestre) à Beira, sem percorrer os quilómetros da escolta, aparentemente pouco segura.
No dia da comemoração da Independência do país levantamo-nos bem cedo e rumamos ao norte pela Estrada Nacional 1. Havia um silêncio estranho no carro, e algo de preocupação, mas ao mesmo tempo uma esperança de sucesso. A estrada N1 é a única que atravessa aquele troço e a ausência de circulação poderia ter consequências dramáticas para o norte do país. É local de passagem de mercadorias, de passageiros, podendo significar falta de alimentos, combustíveis e de certa forma abalar a economia do país. Não tinha lógica o bloqueio da estrada, mas a lógica africana nem sempre se entende, e o que está estável num dia, no dia seguinte pode significar uma guerra. “Estar em guerra, sem querer!”
Chegamos pelas 11 horas ao rio Save, não encontrando nenhum movimento anormal, apenas alguns jovens militares uma falta de organização impressionante por parte da escolta. As horas de espera pela nossa vez foram passando e só 5 horas depois da nossa chegada avistamos do outro lado da ponte um blindado imponente que conduzia a escolta vinda do norte.
A espera aborrece e nós íamos tentando passar o tempo com comentários de acordo com o que se ia passando á nossa volta. Passou um polícia municipal, no seu traje cinzento bem vincado, era de estatura baixa e segurava na mão um enorme smartphone branco, que não cabia no bolso, pelo que tinha que o transportar na mão. Brincamos com a situação um pouco caricata, dizendo que ele deveria arranjar um outro suporte á cintura, simétrico ao do revólver pendurado. E imaginamos a cena em que o policia baralhado, numa situação de stress disparava com o smartphone ou atendia o revólver carregado colando-o ao ouvido.
Não havia qualquer planeamento desta situação de escolta policial, não havia informação dos envolvidos, em suma não havia preocupação pela real segurança dos passageiros. A ideia de haverem vários carros militares a patrulhar a zona e a conduzir os carros em ambos os sentidos parecia descabida. Perguntamos o que era feito de todos aqueles camiões e militares que tinham passado por nós nos últimos dias. Estariam certamente na Gorongosa á espera de que algo acontecesse, quando eram necessário na zona do conflito atual no troço entre o Save e Muxungue.
Pelas 16 horas iniciamos a travessia da ponte, num total de 32. Do outro lado havia muitos jovens militares, em sentido, com as metralhadoras em punho, cara de mau e baixa estatura. Eram muito jovens, nitidamente satisfeitos pelo poder que a arma e a farda lhes atribuía. O inico da escolta foi algo tenso, mal se atravessa a ponte parece que se entra em terreno do inimigo. Silêncio e atenção para descobrir algo de novo na savana. Aproximávamo-nos do pôr-do-sol e nem a beleza da sua luz relaxou a viagem, conduzindo calados, encostados ao banco como tentando escapar a bala perdida. Chegamos ao local dos ataques prévios, numa ponte metálica elevada onde obrigatoriamente a velocidade das viaturas abranda. Surpreendentemente não havia nenhum militar a patrulhar essa zona, nem ninguém a querer atacar, apenas permaneciam os restos queimados de dois camiões entre o mato, um deles com o radiador encostado ao tronco grosso de uma árvore, como se se tivesse despistado. O local alvo das três mortes dos dias prévios. Seguimos viagem calados e pensativos, chegando a Muxungue já de noite, mas alegres pelo sucesso da escolta mal feita. Continuamos viagem que se fez longa e 15 horas depois conseguimos chegar à Beira, contentes por regressar a casa, em segurança, apesar do cansaço, também manifestado pelo Djambo que aguentou todo este tempo deitado na bagageira do carro.
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Nos dias seguintes acompanhando as notícias da instabilidade política do país verificava-se uma certa incerteza quanto ao futuro do país. Reclamava-se um encontro entre líderes partidários, Guebuza pela Frelimo e Dhlakama da Renamo.
Todo o país se mostrava alerta, atento às intenções de cada partido e sobretudo esperançados que “Encontro com Guebuza terá resultados se houver consensos no diálogo”. Resta esperar e tentar seguir a rotina habitual!
Boa aventura com algum stress a mistura. Abraços. Amílcar