Acordar na véspera de Natal na Namíbia foi estranho! Acordar na véspera de Natal na Skeleton Coast mais estranho ainda! Ver focas na véspera de Natal foi surreal!
Quando chegamos junto à colónia de focas tivemos uma reacção de espanto. Eram milhares de focas, que foram despertando com a nossa aproximação. Parecia que estávamos num documentário televisivo da vida selvagem. Havia muitas crias a ser amamentadas pelas progenitoras. Algumas lutavam, outras simplesmente emitiam o ruído característico! Junto à colónia de focas encontramos dois cruzeiros, onde uma placa escrita em Afrikaans, Inglês e Português informava da descoberta daquele cabo pelo português Diogo Cão em 1845. O meu patriotismo aumentou, apesar da nostalgia do pensamento: O que foi Portugal e o que é agora!
Seguimos para Henties Bay. É uma cidade de pesca desportiva, onde passaríamos a noite de Natal. Descobrimos uma guesthouse (H&H accomodation), de um simpático casal namibiano. Depois de 1 mês a dormir em tenda, esta noite decidimos dormir em cama decente. O resto do dia foi excelente. Almoçamos muito bem, fim da tarde à beira mar e jantar de Natal no restaurante Duine. Deu-nos a sensação que o Natal para os namibianos é mais importante no dia 25, não atribuindo tanta importância à noite de consoada. Depois do jantar desejamos um Feliz Natal à família, com pena de não estar com eles, mas contentes pela nossa noite de Natal Africano!
No dia de Natal acordamos com música natalícia. A senhora preparou um excelente pequeno-almoço e desejou-nos Merry Christmas. O dia foi de passeio pela cidade e, à tarde resolvemos ir até à praia. Havia muitos pescadores e assistimos a uma cena incrível. Um homem demorou cerca de 3 horas a pescar um enorme tubarão, com uma simples cana de pesca, desde a areia da praia. O animal media 3 metros e tinha um peso aproximado de 210 kg. Este acto despertou a curiosidade das pessoas que se reuniram em torno do tubarão e do pescador. Mais interessante ainda foi o momento em que o devolveram ao oceano, depois das medidas e fotos tomadas.
No dia seguinte visitamos Spitzkoppe, um local fantástico, onde um aglomerado de montanhas rochosas, douradas, se eleva na planície. Passamos por Okahandja, onde acampamos de forma selvagem numa reserva e onde avistamos facoceros, oryx, gnous e impalas.
Windhoek, a capital da Namibia é uma cidade com características muito europeias. Há de tudo desde os centros comerciais tradicionais, até uma espectacular rua pedonal de comércio, bares e restaurantes com uma rotunda cujo centro é uma colecção de meteoritos. Aproveitamos e visitamos o Museu Nacional, num bonito edifício colonial. Perto da capital há uma reserva de animais, chamada Daan Volgien, onde pernoitamos e fizemos umas caminhadas entre zebras, girafas, oryx e outros antílopes. Pelo caminho surpreendemos e fomos surpreendidos por 2 facoceros que correram na nossa direcção fazendo uma viragem brusca para dentro do matagal. Momento selvagem!
No dia 28 de Dezembro o destino era chegar a Swakopmund. Tínhamos 300 km para percorrer, novamente até à costa. A paisagem foi-se, de novo, transformando de savana a deserto até entrar na Skeleton Coast. Sendo as férias dos Sul-africanos e Namibianos é difícil encontrar alojamento na cidade, mas acabamos por encontrar um “buraco” no parque de estacionamento do Desert Sky Backpakers. Aproveitamos a cidade para resolver mais um ruído estranho no carro. Tivemos que mudar a junta universal. Graças à simpatia do Mr. O B conseguimos continuar a visita à cidade. Swakopmund é uma cidade alemã por excelência. As próprias pessoas que a frequentam são namibianos descendentes de alemães ou turistas alemães. Nas ruas ouve-se falar alemão e nos restaurantes comem-se salsichas alemãs. Reparamos na ausência de mistura entre brancos e negros o que prova que ainda há alguma separação racial. Visitamos o Snake Park, onde vimos os exemplares vivos das mais venenosas cobras do deserto. As praias e as dunas envolventes são excelentes locais para visitar e contemplar os contrastes naturais.
Globalmente Swakopmund é uma cidade agradável e pacata, mas o clima neste momento não era o melhor. As noites frias fizeram-nos decidir sair da cidade em direcção ao interior, para ver as dunas de areia de Sossusvlei. Passamos por Walvis Bay, onde procuramos a lagoa em busca dos pelicanos e flamingos, mas infelizmente estavam demasiado distantes para ser bem observados, apesar de decorarem a linha do horizonte. Depois da visita à cidade seguimos para o interior, passando pela famosa Duna 7. Mais uma estrada de terra batida, em linha recta que une a costa ao deserto. Paisagem desértica, passando por extensas planícies, com algumas Quiver tree´s e a fantástica garganta do rio Kuiseb. Há também animais, embora não seja um parque demarcado. Há springbocks, oryxs e avistamos um grupo de abutres, que devoravam a carcaça de uma zebra.
Também neste caminho chegamos ao ponto em que cruzamos o Trópico de Capricórnio. Lá estavam as tabuletas anunciando o mesmo. Para quem faz uma viagem transcontinental por via terrestre é mais uma fotografia obrigatória. Mas já havia mais gente a ocupar o cenário. Coincidentemente era uma família de portugueses, emigrados em África do Sul.
Chegamos a Solitaire ao pôr do Sol, que coloriu de amarelo a planície envolvente. O local era de facto solitário. Um cruzamento, com uma bomba de gasolina, um hotel com campismo e uma loja comercial, onde as empregadas (Nama people) falam dialecto próprio, com estalidos da língua contra o palato. Muitos carro velhos estavam abandonados entre cactos e ervas. A sensação de isolamento e de anos passados estava bem conseguida, que associando ao nome do cruzamento dava a ideia de estar em terra de ninguém. Estávamos no dia 30 de Dezembro e a nossa intenção era permanecer ali na noite de passagem de ano. Os portugueses, contra a vontade deles, graças a 3 furos no caminho, atrasaram-se e tiveram que dormir no hotel. Conhecemos melhor o Sr. Raul que acabou por nos convidar a jantar com eles na última noite do ano, em Sesriem. Simpáticos e hospitaleiros, como portugueses de origem!
No último dia do ano, contrariamente ao previsto, decidimos seguir viagem. Apesar do relax e do ambiente acolhedor optámos por ir para Sesriem, para não entrar em 2012 tão solitariamente! Até o casal de overlanders alemães que viaja 1 ano por África (sim, sim… há gente mais louca que nós) iria nessa noite para Sesriem.
Sesriem é um cruzamento com a porta de entrada para as famosas dunas de areia do Namib-Naukluft Park. Ao amanhecer e pôr do sol, estas dunas adquirem a tonalidade vermelha contrastando com a sombra escura da outra face. A beleza maior deste parque é em Sossusvlei, a 60 km de Sesriem. Apesar de haver muita gente no parque de campismo conseguimos um ponto bem localizado. Teríamos que reunir as condições ideais para entrar bem em 2012. A piscina de água esverdeaa, parecia um charco, de onde poderia sair a qualquer momento um hipopótamo, mas mesmo assim entramos, para acalmar os cerca de 45ºC do exterior. Uma das vantagens da Namibia relativamente aos outros países por que passamos são as excelentes condições para os campistas. No final da tarde fomos a Sossusvlei, mais precisamente até à duna 45, onde assistimos a um fantástico pôr-do-sol.
Desencontramo-nos dos amigos portugueses, pelo que pelas 20 horas iniciamos a fogueira e preparamos um excelente barbecue. Montamos a pequena mesa de ano novo, com passas, uvas, bolo de maçã e champagne para abrir à meia noite. O campismo já estava adormecido, pois as pessoas queriam chegar cedo às dunas. Ao longe ouvia-se alguma música e pessoas a falar, mas perto de nós a música era a nossa e a alegria era a nossa. A meia noite chegou à Namibia 2 horas antes que em Portugal e 1 hora antes que em Espanha. Ouviu-se o estourar da nossa garrafa de espumante e os nossos brindes. Ao longe alguém gritou Happy New Year e nós respondemos em Português e Espanhol.
A família e amigos estavam connosco, em pensamento e nos nosso brindes, nas passas e uvas comidas, com as badaladas Europeias não escutadas, no silêncio do deserto! Feliz 2012!
O primeiro dia do ano foi de descanso e apreciação da paisagem. Foi no dia 2 de Janeiro que acordamos pelas 5 horas da madrugada para ver amanhecer em Sossusvlei. A linha ondulada do cume das dunas separava a face multicolor da outra cada vez mais escura, pelas sombras projectadas. Percorremos um trilho até ao famoso Deadvlei. A tal fotografia! Uma enorme área de solo argiloso branco, quebrado pelo calor intenso, contrastando com as dunas laranja envolventes. No centro do lago seco brotam as camel thorn tree´s secas, com troncos negros que mais contrastam no fundo branco e laranja. Subimos até ao pico mais alto, da duna denominada Big daddy. De cima a vista é fascinante, e vai variando conforme a posição na duna. A caminhada pela duna é dura, mas uma brisa fresca, por golfadas, ajudava a suporta-la. Do alto, reparamos que os turistas inicias já tinham desaparecido e éramos os únicos no Deadvlei. A descida foi rápida pela duna abaixo, enterrando os pés na areia quente.
Seguimos viagem, em direcção ao Fish river Canyon. Passamos por uma grande área vedada, pertencente ao Namibrand National Park. De novo vimos vários animais. Zebras, Springbocks, um Oryx “unicórnio” e uma cena que nos deixou espantados. Mesmo à nossa frente, uma águia levantava-se do chão, trazendo pendurada nas patas uma cobra serpenteando com esforço para se libertar.
Passamos Helmeringhausen e depois de percorridos quase 300 km ficamos a dormir no Konkiep (nome do rio) Lapa Rest Camp. No dia 3 de Janeiro chegamos a Hobas, a entrada do Fish river Canyon. Passamos por pequenas povoações, cujos habitantes são os Nama. No caminho até Hobas encontramos sinais de perigo de proximidade de animais, com os desenhos dos mesmos. Aproveitamos essa tarde para ver o principal miradouro do Fish river Canyon. É o seguindo maior o Mundo, depois do Grand Canyon no Arizona. Tem cerca de 160 km de comprimento, 27 km de largura e 550 metros de altura máxima. É conhecido pelo seu hiking trail de 85 km de Hobas até Ai-Ais, realizado numa época especifica de Abril a Setembro.
O espanto é expressão habitual de quem nunca viu uma garganta de um rio tão alta! Há um fino fio de água, que pára em algums zonas no serpenteante leito do rio. É de tal forma labiríntico que parece difícil conseguir fazer o seu seguimento na totalidade. Dos outros miradouros a vista é igualmente imponente. Os recortes da montanha, as sombra porporcionadas pelos recortes, as escarpas que começam em planaltos rigorosos no seu conjunto constituem uma paisagem espetacular.
O dia 4 de Janeiro foi especial. O Pablo cumpriu mais um aniversário! A manhã passou a percorrer o Fish river, parando nos seus miradouros e fazendo um pequeno trilho pedestre de 3 km. Ele estava a precisar e um corte de cabelo e porque não escolher este cenário para uma mudança de look? Durante a tarde, paramos no RoadHouse. É um restaurante, campismo, bomba de gasolina e bar em pleno meio do deserto. A decoração é caracterizada pelos motivos automóveis antigos. A sala do restaurante é um verdadeiro museu, como se tratasse de uma garagem e oficina. Há vários modelos de carros antigos dispersos e até o tradicional calendário de mulheres semi-nuas está presente. Bebemos uma cerveja, brindamos ao Pablo e fomos ao campismo. Tarde de piscina e fim de tarde de caminhada entre Quiver tree`s e lagartos do deserto. Jantamos no restaurante, festejando assim o dia de aniversário.
Na manhã seguinte, seguimos até Ai-Ais, um outro ponto de acesso ao Fish River Canyon, e onde termina o percurso de 85 km. É uma zona com águas termais. No exterior há uma enorme piscina, com água termal quente. Há uma outra lagoa natural, em que a água sai a cerca de 65ºC. Interiormente há duas piscinas, de água quente, difíceis de tolerar dado o calor intenso.
O mais interessante foi o reencontro com os portugueses que conhecemos no Trópico de Capricórnio. Estavam no bar e estivemos a conversar no final da tarde. Parecia que o jantar de passagem de ano se iria agora repetir, pois a agradável conversa prolongou-se até cerca da 1 da madrugada. Sem dúvida uma família encantadora, que nos contou histórias de África, da sua vida e do encanto de África do Sul. São extremamente simpáticos e estivemos muito bem com toda a família. Especialmente o Raul e a Lucília foram muito atenciosos o tempo todo. A Lucília quer que as netas aprendam português, pois tem medo que a sua língua se perca na terceira geração. A sua neta mais nova sabe dizer “Obrigado” e repete continuamente esta palavra como demonstrando o domínio da língua. Agradecemos a companhia concluindo que “ Os portugueses que conhecemos na Namibia são maningue nice!”
O nosso último dia na Namibia, foi passado em Ai-Ais. Estava menos calor e a própria água das piscinas termais mais agradável. O melhor, sem duvida, foi o banho nocturno, em água quente, vendo o céu completamente estrelado.
A Namibia é um país encantador, no que respeita a beleza natural. No entanto, dá a sensação que é outra África. Mais educada, mais organizada, mas sem pormenores dos outros países que cruzamos até então, que os tornam tão característicos. Apesar da pouca vontade, estava na altura de deixar a Namibia, e no dia 7 de Janeiro rumamos pelo Kalahari para a fronteira com a África do Sul! O objectivo era chegar ao Kgalagadi Transfrontier Park, mas com ideia de um dia regressar!